O desbravador seringueiro com alma caxiense.

Ao falarmos do Aeroclube de Caxias do Sul, fica difícil não lembrar dos aviões históricos que por ali passaram. Tantos "Cessnas", "Pipers", "Neivas", "Paulistinhas" e "Aeroboeros".  Todos que ali passaram deixaram sua marca, mas apenas um ainda resiste às intempéries do tempo e enfrenta com respeito seus sucessores, apesar de já não mais desempenhar sua principal função: voar.

Antes de contarmos a história deste icônico modelo que fez história dentro do Aeroclube de Caxias do Sul, precisamos contextualizar de onde veio e como foi fabricado este avião. Derivado do projeto do Piper J-2 Cub, a Piper Aircraft, outrora chamada de Taylor Aircraft Company decidiu, após um trágico incêndio na sua primeira fábrica, em Bradford,  então decidiu mudar-se para Lock Haven, na Pensilvânia e continuar a se reerguer a fim de superar o incêndio. O projeto do J-3 Cub foi iniciado em 1937 e contava com melhorias que o J-2 Cub não possuía, como melhorias na seção traseira da fuselagem, empenagem, mudança no modelo das janelas, com aspecto mais arredondado e instalação de uma bequilha mais controlável do que no modelo anterior. Equipado com um motor de 40hp, era vendido na época pela bagatela de U$ 1.000,00. Contava ainda com diversas variantes de fabricantes de motor, tais como Lycoming, Franklin e Continental. 

Nos idos de 1942, saía da linha de produção em Lock Haven, o modelo que viria a ser o querido de muitos que passaram pelos bancos do Aeroclube de Caxias do Sul. Ainda com matrícula americana, foi vendido para o Aeroclube do Amazonas ainda em 1942. Porém foi pouco utilizada por lá. Dentro desse contexto, surgia no Brasil, uma campanha criada ainda pelo governo de Getúlio Vargas, com o intuito de fornecer ajuda e fomento ao surgimento de aeroclubes e ampliação das atividades dos aeroclubes já existentes. 

A campanha chamada de "Campanha Nacional da Aviação" ou como era comumente conhecida como "Campanha para dar asas à juventude do Brasil"  ou até mesmo "Deem asas ao Brasil"  ajudou a movimentar e fomentar de maneira impactante a aviação no Brasil. Essa campanha teve como patrocinador e grande incentivador, o jornalista e dono da cadeia de jornais Diários Associados, Assis Chateaubriand. A campanha ainda contava com o apoio do então ministro de Guerra, Joaquim Pedro Salgado Filho

E no auge da campanha, Assis Chateaubriand promove a doação de um J-3 Cub sediado em Manaus, para um aeroclube na serra gaúcha. Esse aeroclube se localizava em Caxias do Sul e estava em crescente avanço na formação de pilotos. Então é chegada a noticia de que um Piper J-3 Cub seria doado ao Aeroclube para suprir a demanda na formação de pilotos, dado que o antecessor à ele no Aeroclube De Caxias do Sul, cuja matrícula era PP-TDA, havia sido consumido em chamas durante a realização de uma Festa da Uva. Coincidência ou não, o novo J-3 que seria doado para a instituição Caxiense, possuía ao menos uma matrícula parecida: PP-TRA, sem mencionar ainda que ambos carregavam o amarelo característico da Piper em suas fuselagens. 

Ao falarmos da aviação na década de 40, estamos falando de algo extremamente rudimentar e simples, onde não haviam avanços tecnológicos no setor de navegação, apoio em solo e previsão meteorológica, aliado a isso, o -TRA não tinha instrumentos mais precisos, além de uma bússola, altímetro e um velocímetro. Diante deste cenário, foi pelos céus brasileiros que o PP-TRA chegou em Caxias do Sul, atravessando com destreza toda a selva amazônica e chegando com sua cor amarela aos céus azuis de Caxias do Sul. 

Por causa de sua origem em terras tupiniquins e pela forma como chegou até a serra gaúcha foi carinhosamente batizado de "Seringueiro", pela forma como desbravou e chegou em terras desconhecidas.

Chegado à serra, sua ambientação foi rápida e logo caiu nas graças daqueles que por ali voavam. Ao longo de 78 anos de fabricação e atividades no Aeroclube de Caxias do Sul, o PP-TRA criou uma legião de fãs, tanto daqueles que voaram quanto daqueles que admiram com respeito sua história e trajetória. 

Todas as fotos e textos foram produzidos por Kätlin e Vinícius. (POA Spotter)